Débora Vaz: “A pergunta é formativa”

Encarar o projeto pedagógico do Colégio Santa Cruz com novos olhares, propondo formas de renovar que ao mesmo tempo reafirmem seus valores fundamentais. Essa é a premissa de trabalho de Débora Vaz, diretora pedagógica da escola desde o início de 2018. Com trajetória de destaque na educação pública e privada e ampla experiência na formação de professores, ela fala, nesta entrevista, a respeito do primeiro semestre de trabalho, esclarecendo a atuação da direção pedagógica, explicitando suas percepções e seus encantamentos em relação à escola e comentando suas expectativas em relação ao futuro.

O semestre letivo se encerra e, com ele, completa-se um primeiro ciclo de sua atuação como Diretora Pedagógica do Colégio Santa Cruz. Como é a escola com a qual você conviveu nesse início de trabalho?

Mesmo com seis meses de trabalho eu posso dizer que é raro encontrar uma equipe de professores, coordenadores, orientadores e diretores com uma formação e um currículo tão cuidadosos e consistentes como o do Santa Cruz, que tem uma equipe absolutamente diferenciada, pelo percurso acadêmico e pela formação pessoal. O conjunto desses percursos e a história do Colégio resultam em um currículo muito equilibrado. Poderíamos imaginar que, com isso, o Colégio não precisaria mudar – mas os educadores estão constantemente investigando como manter esse legado e, ao mesmo tempo, como se transformar em função dos novos tempos e das novas gerações que chegam à escola.

Não encontrei, de forma alguma, uma escola que estivesse sem perguntas. Pelo contrário: as perguntas estavam todas aqui me esperando. Eu sou perguntadeira, mas as questões estavam postas, então em muitos casos eu só estou tendo que ajudar a equipe a procurar formas e processos para responder a essas perguntas – procurando educadores externos e internos, fomentando as ações de trocas e de organização dos campos de estudo e de trabalho.

Fui muito bem-recebida por essa equipe, que é feliz e alegre nos seus festejos e nas suas formas de comemorar o projeto pedagógico e a cultura da escola. Está sendo uma honra – um trabalho enorme, mas uma honra.

Você poderia identificar algumas dessas perguntas que a esperavam por aqui?

Vou falar sobre duas principais. O Santa Cruz vai receber uma biblioteca nova, linda, contemporânea, muito bem-projetada… Quando vi o projeto, pensei que seria uma honra chegar junto com uma nova biblioteca e um novo centro de tecnologia! A pergunta que estava posta era: como uma escola de mais sessenta anos recebe uma mudança no seu cenário, na sua paisagem, e se renova?

Muitas das ações de formação continuada têm acontecido a partir dessa questão, que gera outras: como está nosso currículo de leitura e literatura? Como está nossa interface com a tecnologia e os objetos digitais? Essas perguntas estavam sendo feitas e eu só engrossei o coro. Estamos nos despedindo desse prédio, dessa história, e ao mesmo tempo nos preparando para a renovação representada pela nova biblioteca.

Outra pergunta que tem sido central diz respeito à configuração dos espaços da escola. Nesse semestre, visitamos instituições em São Paulo e no exterior – no Peru e nos Estados Unidos – para nos perguntarmos sobre o nosso espaço. Por que organizamos assim e não de outra maneira? Fizemos visitas também a bibliotecas, nos guiando por algumas perguntas: como vamos entrar nesse novo espaço? Como organizamos nossas salas para que se mantenham vivas?

Você tem uma trajetória importante na área de formação de professores. Poderia comentar um pouco suas principais experiências?

Eu fiz magistério na Caetano de Campos, que era uma escola tradicional de São Paulo, de formação de professoras normalistas. Depois, fiz pedagogia na PUC, o que teve uma importância enorme na minha formação, porque sou da geração do Ciclo Básico, que tinha um primeiro ano de formação mais geral, incluindo sociologia, antropologia, psicologia, política, filosofia… Esse primeiro ano na faculdade me colocou em contato com os grandes temas da educação. Saindo da PUC, eu tive a possibilidade de ir para a França, onde me especializei em Ciências da Educação pela Université Paris-Descartes (Paris V – Sorbonne).

Quando voltei para o Brasil, fui trabalhar com formação de professores – antes, eu havia trabalhado como professora de Educação Infantil, coordenado uma escola de Educação Infantil e atuado como professora de rede municipal e estadual de Ensino Fundamental (na época, Primeiro Grau). Entrei para a equipe de consultores da Secretaria da Criança, da Família e do Bem-Estar Social e, alguns anos depois, fui convidada pelo Ministério da Educação para fazer parte inicialmente do programa Parâmetros em Ação, de formação continuada para professores. Daí nasceu aquela que talvez seja a minha experiência mais marcante, o PROFA, Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Além de participar da produção do material de apoio, atuar como formadora de formadores, também fui coordenadora no Piauí, no Maranhão, em Alagoas e na Bahia.

Ao longo desse projeto, atuei também como assessora pedagógica em escolas particulares – organizando currículos, pensando situações de formação. Costumo dizer que essa foi a minha incubadora para ser diretora pedagógica no futuro, pois me aproximei de situações de formação mais complexas.

Em 2005, quando atuava como assessora e integrava o programa “São Luís te quero lendo e escrevendo”, também de formação de professores, fui convidada para implementar o projeto de uma escola de Ensino Fundamental e Ensino Médio do zero – o que foi absolutamente decisivo para que eu aprendesse a fazer as perguntas sobre o que é fundamental em um projeto pedagógico para que a escola seja séria e consistente, mesmo em um tempo muito curto. Depois de treze anos nesse projeto, fui convidada para assumir a Direção Pedagógica do Santa Cruz.

Qual o papel da Direção Pedagógica?

As escolas se organizam de diferentes modos e em estruturas muito próprias, mas, de modo geral, direção é o lugar da articulação do projeto pedagógico – isto é, da realização do currículo. O diretor pedagógico articula os cursos, tratando de questões como as passagens do 5º para o 6º ano do Ensino Fundamental, do 9º ano para a 1ª série do Médio, do G6 para o 1º ano e das estratégias para que os cursos não se distanciem muito em seus projetos. Também é do campo da Direção Pedagógica avaliar com os diversos cursos da Escola as ações de formação continuada e a gestão de novos projetos.

O trabalho é feito principalmente com a equipe pedagógica – diretores, coordenadores, orientadores e professores –, só que se volta mais diretamente ao que acontece na realização com os meninos, que é a prática pedagógica. O Diretor Geral, por sua vez, tem uma visão ainda mais ampla, porque ele faz uma articulação de tudo isso com a vida administrativa da escola e com os pais.

Então, o que eu tenho feito como diretora pedagógica? Tenho procurado olhar os aspectos transversais do currículo, tenho procurado olhar o sistema de formação da escola – uma tarefa valiosíssima do diretor pedagógico.

O que é o sistema de formação na escola?

É o processo de formação continuada, algo absolutamente necessário aos educadores da contemporaneidade: é garantir que dentro da escola haja uma escola para professores. Minha primeira ação, por isso, foi olhar e pensar o que nós precisamos estudar. Acredito que a formação continuada se dê ou em experiências pontuais, formais, ou nas reuniões pedagógicas dos diretores e coordenadores com as suas equipes – onde bate o coração da escola, onde cuidamos da saúde do projeto.

As ações de formação são uma novidade que você traz para o Santa Cruz?

Nas situações abertas, sim. Mas, se a gente pensar que esta escola garante reuniões pedagógicas todas as semanas, em todos os cursos, e que sempre houve grupos de estudo e grupos de trabalho em temas importantes, não. A formação é um eixo estruturante da escola. A novidade são as situações em que chamamos os professores de outras instituições para estudarem também aqui, e isso é um projeto bastante desejado por esta escola – o que se revela na minha contratação, pois tenho experiência nessa área.

Há também algo que a escola sempre fez e que agora se intensifica: o projeto de conhecer novos espaços, conhecer outras escolas – não para fazermos igual, mas no que eu chamo “saídas de inspiração”. Visitamos escolas que são absolutamente disruptivas em relação ao projeto do Santa Cruz, para podermos então olhar o nosso projeto, pensar em quê ele pode ser renovado e ampliado e – esta é uma força muito grande – em quais são as verdades que reafirma. Este é o compromisso principal, para não cairmos em nenhum risco de abraçar uma inovação absolutamente esvaziada de sentido ou capturada pelas ondas do mercado.

Qual a importância das formações oferecidas ao público externo?

O educador – está aí um clichê – não é uma andorinha, não é uma ilha – como tampouco é a escola. São Paulo é um centro de escolas muito reconhecidas, que têm nos seus quadros professores capazes de, na troca, enriquecer a todos os educadores. Se o Santa, com a história que tem, com tudo aquilo que construiu, puder fazer parte desse cenário de forma mais intensa – por que não? Quando abrimos a casa para outros educadores trazerem suas perguntas e inquietações, exercitamos também a nossa escuta – a pergunta já é formativa.

Em dois cursos oferecidos este semestre, recebemos educadores de mais de trinta escolas de São Paulo. Além desses encontros – foram dois sobre Bibliotecas na contemporaneidade e um sobre Cenografias do conhecimento –, tivemos cursos internos também. Um deles, em torno da produção e revisão de textos, está em andamento com os educadores de Ensino Fundamental 1, principalmente. Tivemos também o encontro de alfabetizadores na Educação Infantil, que tinha como tema alfabetização em contextos letrados, reunindo educadores de diferentes cursos e do Programa Jaguaré Caminhos.

Quais são as suas expectativas em relação ao trabalho?

Tenho a expectativa de manter o legado se transformando sempre. Muito se diz de um tempo em que é preciso formar alunos para novos cenários, para serem protagonistas, líderes. Se a ideia é formar mais gente mais atuante e crítica para o futuro, não precisa: esta escola tem mais de sessenta anos de experiência muito bem-sucedida na formação de alunos que se destacam no cenário paulistano e brasileiro. Então, como você reconhece esse valor, mantém o legado, mas não deixa de ir se transformando, inclusive como forma de manter o valor desta escola?

A ética e os valores não serão diferentes daqui a cinquenta anos. Então, de que modo o currículo da escola deve se transformar? Estou pronta para estudar isso desde sempre. A gente não pode embarcar em ondas de inovação que muitas vezes são chamadas mais por uma lógica de mercado do que pelo desejo de efetivamente transformar a vida das crianças. Nesse sentido, eu sempre me identifiquei com a postura da escola. O Santa me escolheu, mas eu também escolhi o Santa, e escolhi com esse critério.

 

 

arrow_back Voltar para Notícias