A COLHER 

Ano novo, promessa de começo… possibilidades.  

Mudar de escola ou de período e conhecer pessoas são situações que se apresentam às crianças, fazendo-as sentir com todo o corpo que a experiência da mudança carrega proporções de novidade e desassossego.  

O tempo de se habituarem ao novo espaço e às novas configurações de grupo também vira tema de família.  

“Pensei que ela ia chorar. Entrou sem olhar para trás, quem chorou fui eu…” 

“Foram semanas até ele se acostumar. Trabalhei da escola, mas passou. Ufa!” 

“Não sei quem está mais triste, se ele ou o Duda. Separaram os dois… marquei com a escola para entender.” 

Falas como essas e tantas outras expressam o que mudar provoca naqueles que são adultos. Cada um sente o início das aulas, fenômeno social e coletivo, de forma peculiar e leva para a escola, além do filho e da filha, a criança que um dia já foi. Aliás, essa é uma das características do encontro com a infância, retroceder, relembrando o que o correr dos anos ocultou.  

Ante a queixa, a lágrima e o abraço que resiste em desatar, a criança que fomos se reapresenta: “E se ele ficar sozinho no recreio como eu fiquei?”, “A professora parece brava como a que tive!”, “Não sei se fiz bem em mudar de escola! Como essa, tão imensa, cuidará da minha filha?”, “Com ele vai ser diferente, será melhor nos esportes!”.     

Só fazem perguntas dessa natureza aqueles que amam uma criança e, por isso, buscam assegurar um tempo e uma escola mais gentis. O caso é que, para cuidar dos pequenos, temos que lidar conosco, com nossos limites, encarar o fato de que não podemos desenhar um mundo para eles, que não estaremos sempre lá quando um problema ocorrer, que, em um espaço público como a escola, vivemos sob a lógica do comum. Precisamos lidar com o fato de que somos falíveis, não podemos tudo, mas podemos nos dedicar a algo muito importante: responsabilizar-nos pelo mundo partilhando vivências e experiências, sem, no entanto, extrair das mãos das crianças o direito que elas têm de construir seu próprio caminho.  

O que isso tem a ver com acolhimento? Tudo! 

O começo das aulas é o período em que declaramos aos nossos filhos e filhas a confiança no mundo e nossa limitação enquanto família. É o momento em dizemos sem palavras: “Vai, aqui estão adultos em que confio e que vão apresentar a você um mundo maior e mais diverso do que a nossa família. Fique tranquilo, nosso colo e carinho estarão reservados para você quando voltar”. Que afirmação grandiosa! É uma aposta na humanidade, na escola, mas é sobretudo um gesto de confiança na potência das crianças para superar desafios e, a partir de seus enfrentamentos no presente, serem responsivas em relação a um futuro sobre o qual nós, crianças do passado, pouco podemos ensinar. Estudar em uma nova escola ou mudar de grupo e professora são daquelas boas provocações da vida, as que nos fazem crescer por dentro.  

Acolher é dar a cada criança a possibilidade de fazer sozinha, para que conquiste o prazer da descoberta compartilhada. Dar espaço para que, como canta Arnaldo Antunes, o olhar do outro melhore o meu.   

É época em que estamos a colher sons, cheiros, toques, vivências que nos animem a estar com o outro, fazer laço. Tempo de família e escola sustentarem a posição de quem aposta no novo e, a cada obstáculo, oferecerem recursos que fortaleçam as crianças no desafio de criar um mundo para ser seu.  

Vanessa Ferraresi
Orientadora educacional da Educação Infantil no Colégio Santa Cruz

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