O cenário político brasileiro

A seis meses das eleições, o economista Ricardo Sennes traça um panorama sobre temas estruturais que podem definir o pleito

Nossa escola caracteriza-se como um espaço privilegiado para a discussão de temas relevantes da atualidade. Por isso, a seis meses das eleições presidenciais, convidamos o economista Ricardo Sennes para uma palestra sobre o cenário político brasileiro.

Sennes é economista e doutor em Ciência Política, especialista em cenários políticos e econômicos, diretor da Prospectiva Public Affairs, senior fellow do Atlantic Council (EUA) e do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) e membro do Conselho Deliberativo do Todos pela Educação e do Instituto Escolhas. Atua como comentarista da TV Cultura.

O encontro, presencial, foi mediado pelos professores de Geografia Tonico Reis, do 9º ano, e André Aquino, da 3ª série do Ensino Médio, que fizeram a seleção das perguntas enviadas pelo público.

Após ser apresentado por Fábio Aidar, diretor do colégio, Sennes disse considerar o Santa Cruz uma comunidade de alunos, ex-alunos, professores e dirigentes. “Deveríamos ter mais a prática das comunidades se reunirem para discutir política no Brasil.”

A seguir, destacamos algumas telas usadas por Sennes em sua palestra, acompanhadas de suas falas.

O economista afirmou que estamos vivendo uma situação limite no país. Essa tensão social crescente se arrasta por décadas e se transforma em tensão política. “O processo eleitoral capta excessivamente nossa atenção, por vezes nos distrai de temas que são muito mais estruturais (…) Tensão política, muitas vezes, tem a ver com uma disputa acirrada por recursos escassos.”
“Desde os anos 1980 temos tido uma performance econômica lamentável: observando o crescimento do PIB, em termos relativos, o país empobreceu, ou seja, nossa capacidade de gerar valor e concorrer com outros países diminuiu. Faz 10 anos que a média de renda per capita não cresce. Neste ano, nós vamos ter uma experiência que vai agravar isso, que é um crescimento muito baixo da economia, combinado com inflação surpreendentemente alta e a maior taxa de juros do mundo. Isso tem peso eleitoral.”
“Estamos virando uma economia pós-industrial, antes de termos nos tornando minimamente ricos. Estamos entrando no mundo dos serviços, mas nos concentrando em serviços de baixíssimo valor agregado e baixa tecnologia. Trata-se de uma desindustrialização precoce, uma perda relativa da capacidade econômica do Brasil frente ao mundo. Um dos sinais desse baixíssimo dinamismo econômico, como esse gráfico do IBGE mostra, é que 95% das empresas no Brasil têm até 19 funcionários, são microempresas, na enorme maioria de vezes de serviços – pequenos comércios, padarias, cabeleireiros etc  -, nas periferias das cidades. Como fazer política organizada num cenário desses?”
“Nós não conseguimos, em 30 anos de democracia, desmontar os mecanismos de reprodução da pobreza. Eu destacaria dois deles: precário sistema educacional e sistema tributário fortemente regressivo.”
“Cobramos pouco imposto de renda das pessoas físicas e cobramos muitos impostos sobre bens e serviços, além taxas em gerais sobre consumo. No Brasil, todos os anos, os pobres fazem uma transferência para os ricos de mais ou menos 13% do PIB.””Aliviamos parcialmente as camadas muito pobres através de programas como Bolsa Família/Auxílio Brasil e BPC – Benefício de Prestação Continuada”. Os pobres em geral e a classe média baixa – ou vulnerável -, carregam o piano”.
Para as eleições deste ano, não podemos deixar de levar em conta a revolução evangélica e o crime organizado: “31% da população do país é evangélica. Basicamente, foi uma reação das classes D e E, uma opção econômica de ascensão social. O crime organizado e sofisticado é formado por uma classe baixa, mas com muito talento, que não consegue entrar na economia formal.”
O economista traçou um raio X do eleitorado: 90% dos eleitores estão entre as classes C, D e E e 70% deles vivem entre as regiões Sudeste e Nordeste. “Temos um ambiente socioeconômico muito complicado, essa massa de pessoas, muito próximas da informalidade, com salários muito baixos, educação muito ruim, em atividade econômica de baixíssima tecnologia, muito vinculadas a serviços e a mecanismos de política de transferência de renda que, como vimos,  tentam compensar os mecanismos regressivos de renda no país.”
Tanto Lula quanto Bolsonaro vieram para o centro, esse movimento desidratou um pouco a 3ª via. “Lula e Bolsonaro são duas lideranças de dois lados do Brasil que coexistem.”
Nenhum dos possíveis candidatos da 3ª via tem penetração no eleitorado das classes C, D e E, que definem a eleição. Já o perfil do eleitorado de Lula e Bolsonaro não difere tanto entre si, embora Lula tenha mais penetração nas classes D e E, nos menos escolarizados, mais mulheres e mais nordeste. “Não é a elite que vota em Bolsonaro. Se assim fosse, ele teria 1% dos votos. Ele tem uma penetração enorme nas classes C e D.”
“O segundo turno é favorável a Lula por conta da rejeição a Bolsonaro – entre 55 e 60%, e forte crise econômica, inflação e desemprego. Bolsonaro  é o único presidente dos últimos tempos cuja rejeição como governante é maior do que a rejeição ao seu governo. Se as condições se mantiverem mais ou menos iguais, tirando um cenário de muita ruptura, o Lula tem uma margem razoável para ganhar essa eleição”, finaliza Ricardo Sennes.
arrow_back Voltar para Notícias