Existe amor (e segregação) em SP

Na disciplina de Geografia, os alunos do 8º ano estudam o modo de vida nas cidades com um módulo de trabalho que problematiza a segregação em São Paulo

Onde moram nossos alunos? Onde moram os trabalhadores domésticos da casa dos nossos alunos? Logo no início do projeto da disciplina de Geografia, os alunos visualizam um mapa que mostra onde eles moram, outro que mostra onde os empregados domésticos residem e, por fim, um mapa racial da região metropolitana de São Paulo. “Um dado publicado pela Rede Nossa São Paulo em 2022, no Mapa da Desigualdade, mostra que enquanto a média do município de São Paulo da população que se autodeclara preta ou parda (negros) é de 37,1 %, a média dos bairros que compõem o centro expandido da capital não ultrapassa 10%, enquanto bairros como Grajaú e Jardim Ângela estão próximos dos 60%. Quando vemos as estatísticas dos moradores das favelas em São Paulo, essa média salta para 70%, segundo a ONG TETO”, conta Arthur Vieira de Medeiro, professor de Geografia.

Os mapas são apenas uma parte dos materiais minuciosamente selecionados para o projeto, acessíveis aos alunos da faixa-etária de 13, 14 anos. Músicas também fazem parte do repertório e das discussões (escute a playlist em nosso canal no Spotify).

Como parte do projeto, há cinco anos, o colégio realiza uma parceria com a ONG A Banca, formada por um grupo de jovens da periferia que desenvolvem intercâmbio cultural com estudantes de várias escolas da cidade.  “Ao longo dos anos, o racismo na cidade, e na sociedade, foi ganhando centralidade no estudo. Compõe o projeto antirracista da escola, que está presente no currículo de todas as séries, de maneira contundente, mas singela, por meio da arte”, explica Arthur.

Na aula 1, cujo o tema é “O que é periferia”, os alunos são apresentados ao projeto do grupo A Banca e inicia-se a discussão sobre o que é periferia e o que a caracteriza. Nesse momento, os alunos preenchem um formulário, registrando conhecimentos prévios. As respostas são convertidas em uma nuvem de palavras que, posteriormente, são utilizadas para a composição de um rap.

No segundo encontro, a discussão rola em torno do tema “Quais as forças que moldam as identidades na periferia?” e é conduzida pelos educadores Diel e Pamela, da ONG A Banca. “A quebrada é diversa e plural. Sarau, capoeira, roda de samba e mutirões, são algumas das manifestações culturais que combatem o estigma de que a periferia é um lugar perigoso”, diz Diel. Para ele, que se apresenta como um artista da cultura hip hop, educador popular, músico e produtor cultural, “a arte faz as pessoas refletirem”. “Eu acho desafiador falar para esse público. É um momento de formar ideias, de formar a personalidade. Então eu sinto que tudo o que a gente fizer, tudo o que a gente falar, o que eu vestir, toda a minha ação diante desses adolescentes, eles vão pegar como referência”, explica Pamela, bailarina, moradora do Capão Redondo.

Com os alunos já bem sensibilizados, é na terceira aula do projeto que a pergunta “a periferia é um lugar violento ou um lugar violentado?” é feita e que se discutem as perspectivas de um jovem periférico. Nesse momento, Diel e Pamela compartilham suas experiências. “Ouvi da minha mãe e da minha avó a vida inteira que por ser preta e não ter dinheiro eu tinha que ser melhor que todo mundo. Isso é uma pressão muito grande”, dividiu Pamela. Já Diel, contou como, a partir de suas vivências na periferia, começou a compor seus primeiros raps. “O rap não é só fazer rima. Ele conta uma história, dialoga com as pessoas, causa reflexão”, diz o educador popular. “O que na verdade a gente vem fazer aqui na escola é evidenciar uma possibilidade que está presente no dia a dia deles, porque a periferia está aqui o tempo todo, muitas vezes invisibilizada nos funcionários que fazem a escola funcionar”, completa.

Lição de casa para a vida

Além do material apresentado em sala de aula, os estudantes também recebem tarefas para realizar em casa, como assistir ao vídeo “O que é racismo estrutural”, de Silvio Almeida, advogado, filósofo e professor universitário, atual ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil. Na quarta e última aula, os alunos retomam a nuvem de palavras construída na primeira aula, a partir do seu imaginário sobre o que é a periferia. Agora, muito mais apropriados da complexidade do tema, podem, enfim, pensar em como criar pontes na cidade e romper a segregação. “Percebi que ouvia falar da periferia, mas nunca tinha escutado alguém que vive essa realidade, como Diel e Pamela. O que era um conceito, agora para mim é concreto”, diz a aluna Joana Camargo Helene.

O alcance do mergulho que os alunos fazem vai muito além das aulas de Geografia. “Depois dos encontros com A Banca, passei a ler com outros olhos o livro “Poemas da recordação”, da Conceição Evaristo, que estudamos em Língua Portuguesa, por entender mais sobre o racismo”, conta João Bonavito Gazire. As músicas também passaram a ser ouvidas de outra forma: “já conhecia O Rappa e Os Racionais, mas foi importante falar sobre a apropriação cultural que existe no Brasil, como um branco se apropria do rap e da cultura de rua”, exemplifica Maria Eduarda Mazzieri, que também cita como muito importante o Programa de Ampliação da Diversidade Racial e Ações Antirracistas do colégio. “Antes do Santa Plural, quase não convivíamos com alunos e professores negros aqui na escola.” Para o aluno Luca Torello de Oliveira Gonçalves, o curso inteiro “ajuda a refletir sobre a segregação na cidade e o racismo.” A aluna Beatriz Filadelpho Belo completa: “de certa forma, todas as matérias estão tratando do racismo estrutural.” Para Joana Helene, a mudança virá ao longo do tempo. “Começar a aprender desde cedo vai fazer com que sejamos adultos mais conscientes e menos preconceituosos.”

arrow_back Voltar para Notícias